Por: Flávia Oliveira e Letícia Lins( O GLOBO) A pobreza no Brasil tem idade, sexo e escolaridade bem definidos. De cada quatro pobres, um tem entre 7 e 14 anos; mais da metade (52%) são mulheres; 56% são analfabetos ou sequer completaram a quarta série do ensino fundamental. Publicado em: 11/07/2004
A pobreza no Brasil tem idade, sexo e escolaridade bem definidos. De cada quatro pobres, um tem entre 7 e 14 anos; mais da metade (52%) são mulheres; 56% são analfabetos ou sequer completaram a quarta série do ensino fundamental. As informações fazem parte do primeiro relatório elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, com base nas informações dos 8,262 milhões de famílias inscritas até fevereiro no cadastro único, ponto de partida dos programas sociais do governo. Num universo de 34 milhões de indivíduos cadastrados, 13,5 milhões (40%) não completaram 15 anos. — Este número está em linha com os dados revelados pelas pesquisas amostrais, como a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE). Sugere que o cadastro está indo na direção certa. Sabemos que crianças e adolescentes são a faixa etária mais afetada pela pobreza — diz o economista e sociólogo Marcelo Medeiros, coordenador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Centro Mundial de Pobreza, um escritório das Nações Unidas dedicado exclusivamente ao tema. Meta é cadastrar 11 milhões de lares O cadastro único começou a ser montado em 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, com base nas informações das prefeituras sobre a população de baixa renda dos municípios. Das 5.507 cidades brasileiras, 5.463 já foram cadastradas. Na origem, o governo pretendia identificar 9,3 milhões de famílias, meta de que subiu para 11,2 milhões após a divulgação, no ano passado, da Pnad-2002. Hoje, dos quase nove milhões de lares incluídos no cadastro, 4,1 milhões já estão recebendo o Bolsa-Família, carro-chefe da política social do governo Lula. No Rio, são 51.432 famílias de 88 dos 91 municípios. — O cadastro único não foi criado para atender a um só programa, mas para representar a pobreza na sociedade. Precisamos garantir essa representatividade para que as políticas sejam desenhadas com o perfil correto — assinala Cláudio Roquete, diretor do Departamento de Informações e Dados Sociais do ministério e coordenador do cadastro. O perfil traçado pelo governo traz semelhanças com os diagnósticos dos mais experientes pesquisadores brasileiros nas áreas de pobreza e desigualdade. Autora do livro “A pobreza no Brasil”, a economista Sonia Rocha, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), estima que 42,4% dos pobres brasileiros têm até 14 anos e apenas 4,1% têm 60 anos ou mais de idade. — O dado sobre faixa etária está afinado com várias pesquisas, mas o cadastro precisa de um confronto maior com outras informações da Pnad em áreas como mercado de trabalho e rendimento — sugere. Os dados do cadastro revelam que 54% dos chefes das famílias cadastradas não trabalham; apenas 4% têm carteira assinada; 65% têm rendimento familiar per capita de até meio salário-mínimo. Mesmo reconhecendo que o desemprego é maior entre os mais pobres, a desocupação parece alta demais no banco de dados do governo. Para a pesquisadora, como sabem que vão integrar um cadastro relacionado a programas de transferência de renda, as famílias podem emitir informações sobre trabalho e rendimento para se habilitar aos benefícios. Daí a necessidade de uma comparação mais afinada com a Pnad. Entretanto, são poucas as dúvidas no que diz respeito ao perfil etário e ao gênero. O número médio de filhos das famílias que vivem com até meio salário-mínimo varia de dois a três. Quase seis em cada dez famílias (54,3%) chefiadas por mulheres sem marido têm renda mensal inferior a um mínimo por pessoa. Como estão mais expostas às más condições de vida, elas são maioria (91%) entre os titulares do cadastro. É o caso de Albertina Soares de Souza, de 30 anos. Mãe de quatro filhos — a mais nova, Dandara, tem quatro meses — era obrigada a sobreviver com o salário de R$ 280 do companheiro, recém-contratado como gari, até passar a receber R$ 240 por mês em ajuda de programas governamentais, entre os quais o Bolsa Família. Albertina vive na Ilha de Deus, localizada em um aterro no bairro da Imbiribeira, a 16 quilômetros do Centro de Recife. Depois de ver a renda da família passar de R$ 46 para R$ 87 por pessoa, ela tem conseguido dar mais atenção às crianças: — Antes eu vivia com o pé na maré, catando marisco para vender. Agora não é mais preciso e posso tomar conta dos meus filhos. Só 3% concluíram o ensino fundamental O cadastro único também traz informações sobre a escolaridade dos chefes das famílias inscritas. Dos 8,262 milhões de cadastrados, 23% são analfabetos e 33% não completaram a quarta série. Apenas 3% concluíram o ensino fundamental e 6%, o ensino médio. São informações que se alinham com as pesquisas sobre pobreza. Como no Brasil o nível de instrução é um dos determinantes da desigualdade de renda, quanto menor o número de anos de estudo, menor a remuneração média e, conseqüentemente, maior a proporção entre pobres e indigentes. Dos domicílios listados no cadastro único, 5% têm acesso à energia elétrica sem medição por relógio — ou seja, fazem “gato”. Outros 7% não têm eletricidade e usam velas ou lampião como fonte de iluminação. Dos pobres identificados pelo governo, 63% têm água encanada. Metade não dispõe de saneamento básico adequado (rede coletora ou fossa séptica). Um terço dos pobres do cadastro vive no campo No perfil traçado pelo cadastro único, um terço dos pobres vive em áreas rurais e dois terços, em centros urbanos. As informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 86% dos brasileiros vivem nas cidades e 14%, no campo. A maior participação das áreas rurais no cadastro está relacionada ao fato de a pobreza e a indigência serem mais intensos no interior. A economista Sonia Rocha estima que 33% dos pobres do Brasil vivem em áreas metropolitanas, 48%, em municípios urbanos e 18%, no campo. Ela, no entanto, usa linhas de pobreza diferentes para cada localidade. Como o cadastro único se concentra nas famílias com renda per capita inferior a um salário-mínimo, é natural que exista a participação maior da população rural, em que o nível de renda é mais baixo. — Faz sentido o governo federal ter uma linha única de pobreza. Mas isso acaba fazendo com que os programas sociais nas metrópoles identifiquem apenas a parcela muito necessitada, com renda comparável à do campo. No entanto, as pessoas podem ganhar um pouco mais e serem pobres, porque viver nas áreas urbanas é mais caro — diz.
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