Por: PADRE EGÍDIO SERRA TALHADA, 18 DE DEZEMBRO DE 2004.
CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE
MONSENHOR JESUS GARCIA RIAÑO
SERRA TALHADA, 18 DE DEZEMBRO DE 2004
Apresentação
Estamos celebrando, no dia 18 de dezembro de 2004, o centenário de nascimento do inesquecível Mons. Jesus Garcia Riaño, que viveu a maior parte de sua vida em Serra Talhada e foi Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Penha por mais de meio século.
Lembrar o centenário de um homem como ele, muito alheio a comemorações e festas em sua homenagem, poderia até parecer coisa estranha e sem sentido.
Nos parece importante, porém, “fazer memória” daquele que marcou de forma indelével nossas vidas e deixou marcas inapagáveis também na sociedade serra-talhadense. É importante para nós tentar redescobrir sua verdadeira grandeza, de forma que seu exemplo e seus ensinamentos possam continuar orientando nossa vida e nosso compromisso cristão.
Queremos com isto, reavivar a nossa fé inabalável, que ele cultivou ao longo de muitos anos, imitar seu zelo pela vida das pessoas e das famílias, tentar viver o seu despojamento numa sociedade cada vez mais consumista, nos sentirmos cada vez mais responsáveis também pelos destinos de nossa cidade e pelo seu crescimento na paz e solidariedade.
Assim, de forma simples e despretensiosa, resolvemos juntar algumas recordações, escritas por pessoas que muito conviveram com ele, que se acrescentarão às inúmeras lembranças que cada um de nós tem do nosso “vigário” Pe. Jesus.
Dom Francisco, nosso querido Bispo Emérito, em sua entrevista, fala do padre zeloso e dedicado que foi o Mons. Jesus, ajudando-nos a descobrir a riqueza de seu ministério, escondida às vezes atrás de uma “casca” dura. O Sr. Luiz Lorena, apresenta alguns dados biográficos e uma série de crônicas interessantes, que ajudam a definir melhor a personalidade dessa figura singular. O Sr. Nonato Magalhães lembra algumas anedotas de que ele, adolescente, foi testemunha, realçando assim o lado folclórico do Mons. Jesus.
Na última parte é o próprio Pe Jesus a nos falar: são reflexões que o ele deixou registradas no Livro de Tombo da Paróquia: elas revelam bem seu caráter, sua dedicação, e algumas de suas alegrias e tristezas na missão de pároco.
Que esta celebração centenária ajude a nossa comunidade paroquial a continuar sendo fermento sal e luz, nesta cidade, presença de Jesus e dos valores evangélicos num mundo cada vez mais secularizado, mas cada vez mais necessitado da luz e da força do Senhor Jesus.
Nossa Senhora da Penha, Padroeira desta Paróquia, à qual o Pe. Jesus dedicou sempre uma profunda e carinhosa devoção, e que ele nos ensinou a amar e imitar, seja nossa companheira na árdua tarefa de sermos, hoje, testemunhas e semeadores do Evangelho do Senhor Jesus, nestas terras da “Vila Bela” querida.
Padre Egidio Bisol
Biografia de Monsenhor Jesus Garcia Riaño
Vertia o ano de 1953, dia 02 de agosto, a Igreja Católica promovia em Serra Talhada uma solenidade nunca assistida aqui desde sua fundação. Sob a presidência do Bispo Diocesano, D. Adelmo Cavalcanti Machado, que se fazia acompanhar de 15 sacerdotes, foi concelebrada Missa Pontifical para inaugurar o majestoso templo de Nossa Senhora da Penha e comemorar o jubileu de Ouro do Apostolado da Oração. Ao encerrar, num ambiente de exaltação e da mais profunda emoção, o Padre Jesus proclamou estar vivendo o momento mais feliz de sua vida em terras do Brasil. Só então, os paroquianos entenderam o seu desvelo na construção de uma obra tão magnífica.
Jesus Garcia Riaño, nasceu no distrito de Cereso, região de Burgos, Espanha, no dia 18 de dezembro de 1904. Filho de Francisco Garcia Castilho e de Dona Jacinta Riaño. Foi ordenado padre a 22 de junho de 1930. Chegou ao Brasil no dia 05 de Junho de 1933, indicado para servir junto ao Bispado de Barra do Rio Grande, no sertão do São Francisco, Estado da Bahia, donde acompanhou o Bispo D. Adalberto Sobral, que foi transferido para Pesqueira, Pernambuco. De imediato foi nomeado pároco da freguesia da Pedra, na região do Agreste Pernambucano, e logo depois para o paroquiato de Nossa Senhora da Penha de Vila Bela (Serra Talhada) no sertão. Assumiu os destinos desta freguesia precisamente a 18 de dezembro de 1936, ao completar 32 anos de idade. Em Serra Talhada estimulou a construção do Colégio Industrial Cornélio Soares e da Escola Normal Imaculada Conceição. O Padre Jesus providenciou também a ereção de 08 capelas nos distritos e na zona rural (Bernardo Vieira,Santa Rita, Estrema, Jardim, Luanda, Caiçarinha, Varzinha, Logradouro). Aos 80 anos, a saúde precária começa a exaurir o seu estado físico e aos 86 anos, no dia 18 de dezembro de 1990, perante o seu Bispo Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho de Afogados da Ingazeira, renuncia em caráter irrevogável ao paroquiato de Nossa Senhora da Penha.
Ele, como São Paulo, combateu o bom combate na pregação da fé cristã. O seu carisma foi acrisolado por sua coragem pessoal de dizer a verdade, mesmo contrariando pessoas habituadas a desmandar neste “país” da periculosidade que é o sertão do Pajeú. Todavia, sua maior virtude por nós reconhecida, foi o seu espírito de solidariedade.
O Padre Jesus, depois Monsenhor Jesus Garcia Riaño, faleceu a 12 de outubro de 1991, e foi sepultado no dia seguinte na Matriz de Nossa Senhora da Penha. Jamais ficou ausente nas horas de dor e de vicissitudes dos seus paroquianos.
Luiz Lorena
Entrevista
concedida por Dom Francisco, Bispo Emérito da Diocese de Afogados da Ingazeira, na ocasião do centenário de nascimento de Mons. Jesus Garcia Riaño
Dom Francisco, nós estamos celebrando o centenário do nascimento do Mons. Jesus Garcia Riaño, acontecido a 18 de dezembro de 1904.. O senhor conviveu com Mons. Jesus por 30 anos, de 1961 até 1991, como seu Bispo: quando o senhor chegou à diocese, ele já era titular da Paróquia Nossa Senhora da Penha, em Serra Talhada. Como o senhor definiria sua pessoa, quais as lembranças que ficam dessa personalidade tão interessante que foi o Mons. Jesus?
Ele era muito zeloso: aquilo que podia fazer fazia. Até depois de ter perdido a visão, ele se preocupava muito com seu trabalho de padre. Ele não podia fazer uma pastoral dos dias de hoje, mas, dentro de sua visão, era muito zeloso. Sei que ele tinha muita aceitação do povo de Serra Talhada, apesar de algumas atitudes, de alguns aborrecimentos. Uma coisa o fazia muito estimado: a disponibilidade em atender aos doentes. Se alguém tivesse um doente em qualquer canto da cidade ou do interior e fosse chamá-lo, ele atendia imediatamente sem criar dificuldade. Quando morria uma pessoa ele era dos primeiros a chegar àquela casa para dar uma palavra de apoio, rezar, fazer encomendação do cadáver. Isso o povo gostava. Também era totalmente fora da política partidária. Não votava, era estrangeiro e nunca se naturalizou brasileiro: não o acusavam de fazer política, política que era forte em Serra Talhada. E mais, contavam-me os próprios políticos, quando a coisa estava muito dura, ele ia à casa de um e de outro e dizia: “Você vai moderar; você deve moderar”, com autoridade tal que eles o atendiam. Ele também era “engraçado”: quando eu chegava à casa paroquial, não sei se fazia com outros, ele me recebia à porta e corria voltando pouco depois com um pouco de vinho de missa num copo. “Sr. Bispo, é para tirar a poeira!”. Quando começou a queixar-se das ouças, uma vez perguntei: “Monsenhor, por que o senhor não usa uma prótese para esses ouvidos?” ... ele fez um gesto, que fazia, estalando com os lábios, e respondeu: “Dom Francisco, mouco é até bom, ouve o que quer e não ouve o que não quer”. Depois, ele tinha um amor muito especial com a Matriz; com sua limpeza, com os vitrais, com os sinos, com os mármores: ele sempre tinha esse encanto com a casa de Deus. E era por causa disso que muitas vezes ele se zangava. Era um homem meio temperamental. Tratava bem as pessoas, recebia bem, mas podia, de uma hora para outra, se aborrecer. Dentro do ministério, me parece, o que mais o aborrecia era conversa na igreja. Ele ficava mesmo meio fora de si. E reclamava alto e gritava... Uma vez falei com ele, caridosamente, como era meu dever: “ Monsenhor, em todas as paróquias por onde eu ando o povo falta um pouco com o silêncio”. Queria dizer que não era só em Serra Talhada. Então ele me disse: “Eu vou explicar ao senhor; o meu bispo, da minha diocese lá na Espanha, tinha horror à zoada na igreja, podia perdoar tudo menos isso. Eu assimilei dele. Isso realmente me fere, me magoa. Eu não sou Jesus, Jesus de Nazaré que fez uma corda e expulsou do templo os vendedores de pombas, trocadores de dinheiro e clamou: ‘A minha casa é casa de oração e quereis fazer dela uma casa de negocio, um coito de ladrões’. Mas pelo menos gritar, eu grito!” Ai eu sorri e disse: “Mas procure sempre ter um pouco de paciência. O senhor se aborrece e as pessoas acabam não dando mais valor à sua reclamação.” E ele: “Mas, não pode não... a não ser que o senhor me autorize a cruzar os braços e deixar a igreja virar uma feira. Se isso ficar por sua conta, eu vou deixar.” Eu falei um pouco mais sério e disse: “Monsenhor, eu não sou menino, nem o senhor. Isso não é insulto para mim porque sei que o senhor está, agora mesmo, aborrecido. Mas seria impossível eu dizer para qualquer pessoa do mundo: deixe fazer da Igreja um mercado e fique tranqüilo”. Ele também não disse nada. Ficou calado.
Parece que, por causa disso, ele ficava mesmo indignado e chegou também, algumas vezes, a passar tempo fora da cidade...
Em relação a isso, eu lembro um fato interessante: Uma vez, sem que eu soubesse, fugiu da Paróquia da Penha, quando se aproximava a festa solene da Padroeira. Chegou-me lá, em Afogados, uma comissão para eu conseguir um padre para fazer a festa. Já tinham procurado. Me disseram que o vigário tinha desaparecido, sem dizer a ninguém para onde ia. Na casa em que ele costumava hospedar-se em Recife, dos amigos dele, não estava. Sob meu conselho, acabaram conseguindo um padre com Dom Augusto Carvalho, que gostava muito de Serra Talhada. Terminada a festa, chega-me à casa Mons. Jesus. Levanto-me e o cumprimento: “Oh, Monsenhor, que alegria recebê-lo aqui.” Ele sentou-se e começou a chorar, lágrimas correndo. Deixei desabafar um pouco, depois perguntei: “O que está acontecendo? Algum problema de saúde?” Respondeu: “Não, muito mais grave. Eu estou numa situação que não sei como vou viver. Acho que não adianta mais. Eu fugi de Serra Talhada, sei que o senhor já sabe disso, porque o povo não respeita a presença de Deus na casa dele. É aquela zoadeira, especialmente as mulheres, as comadres conversando. E eu não suporto isso. Por outro lado, eu fui para São José da Coroa Grande: lá eu tenho um amigo. Mas quando dava a hora de bater o sino de Serra Talhada para a novena, eu não tinha outra coisa a fazer senão chorar. Isso até passar-se todo o novenário. Concluí que não posso viver fora de Serra Talhada. E não posso viver lá, que o povo não me atende. Então eu vim aqui para o senhor resolver este problema. O que é que eu faço?” Eu disse com caridade: “Enxugue as lágrimas e vamos raciocinar à luz da fé. O senhor tem um oficio onde está há muitos anos. O senhor quer ir para onde? O senhor acaba de dizer que não pode viver fora de Serra Talhada. - ‘Posso não. Eu não agüento’ - retrucou. Então procure ser mais compreensivo. Acho que o senhor que ajudou em tantas paróquias aqui da diocese, por onde andou sempre viu alguém conversando com outra pessoa na igreja, às vezes até por necessidade, alguém que não ouve bem. O senhor faça o seguinte: Vá para Serra Talhada. Se quiser dizer onde estava diga, se não quiser não diga. Se quiser dizer que falou comigo diga, se não quiser não diga. Fique na casa paroquial e continue a sua missão como pároco da paróquia.” E assim ele fez.
No clero, no meio dos colegas de presbitério, qual era a posição do Mons. Jesus com os outros padres?
Boa. Nunca me levou queixa de nenhum padre. Nunca. Às vezes elogiava alguns: como o Pe. Assis Rocha, que hoje está em Sobral. Umas vezes o elogiava, dizendo que não sabia como ele suportava tanto trabalho, tanta gente a procurá-lo dia e noite. Só muita virtude para agüentar o que ele agüentava. Ficaram até a morar na mesma casa, com uma divisão improvisada e se deram bem.
Dom Francisco, como foram os últimos anos, quando ele ficou prejudicado pelas doenças e pela cegueira?
Não foi fácil, mas ele continuava seu trabalho. Ia também às capelas, já cego. Eu fazia visita pastoral nas capelas com ele cego. Lembro que, às vezes, o carro atravessava uma grota e ele dizia: “Do lado esquerdo, lá no alto, tem a casa de Fulano de tal”. E eu dizia: “Como é que o senhor sabe onde está a casa?”. “Eu andei aqui muitas vezes, enxergando... reconheci o riacho”... respondia. Ele sempre me pedia, por tudo, que não o demitisse da paróquia. Mas a certo ponto, no presbitério, cresceu uma preocupação de que o povo de Serra Talhada não estaria mais sendo bem atendido. Quando eu chegava a falar com ele, dizia logo: “Veio me demitir?” “Não, Monsenhor, tenha confiança”. Era minha resposta. Numa das visitas “ad limina” a Roma eu levei o problema ao papa, numa conversa pessoal, junto com outros problemas, disse a ele que havia um padre doente que já tinha passado da idade em que o Concilio aconselhava (o Concilio não obriga, solicita; e uma lei que não obriga, não é lei – norma sim, mas não lei) a entregar a paróquia, que vivia cansado mas pedia-me, por tudo no mundo, deixá-lo até quando Deus quisesse à frente da Paróquia. E alguns colegas dele já achavam que eu deveria tirá-lo. Colocar um coadjutor seria pior: ele ia se contrariar muito, sentir-se humilhado; um padre novo não agüentaria, pois as mentalidades seriam muito diferentes. O papa disse: “Olhe, olhe, não tire o velhinho, não. Deixe-o: viveu a vida toda como vigário, fazendo o que era da época dele. Primeiro, leve uma benção minha pessoal para ele: é um exemplo para muitos padres, este apego ao ministério.” “Assim, eu também fico mais tranqüilo”, conclui. Então fiz como o papa tinha pedido: visitei-o, levei a benção que o papa tinha mandado pra ele, sem dizer que tinha colocado o problema. Ele ficou muito contente, até os olhos se encheram de água...
Como foi que o Mons. Jesus resolveu depois renunciar à paróquia?
Um dia chegou-me à casa, acompanhado por três senhores de Serra Talhada, que eu conhecia, um deles é até muito amigo meu, o Lorena. Era o dia do aniversario dele. Eu estava no biró, me levantei: “Oh, Monsenhor, que alegria, dia do seu aniversario. Meus Parabéns!” Ele me disse: “Não! Eu não vim receber parabéns. Eu vim entregar a Paróquia da Penha”. Mandei sentar. Ele disse que reconhecia que não tinha mais condições de ficar à frente da paróquia. E acabou me dizendo o que o levava a isto: “Olhe, eu vou celebrar a missa e não posso celebrar. Estou no meio e tenho que interromper para ir ao banheiro. Todo mundo percebe. Estou doente de próstata.” Eu disse: “Monsenhor, eu agradeço muito seu gesto. Sinal de sua lucidez plena, é vir acompanhado de testemunhas exatamente para a renuncia que deve ser escrita ou então feita oralmente perante as testemunhas (e ele sabia disso!). Diante daquilo que o senhor me disse aceito a sua renuncia. Agora eu vou bater à maquina seu pedido de renuncia e o senhor vai assinar, junto com as testemunhas para ficar documentado. Não precisa o senhor declarar nada ao povo. O senhor vai ficar com os poderes que tinha antes, recebidos agora por delegação, até eu determinar outro padre que assuma a paróquia. E o senhor vai continuar a viver na casa paroquial até quando quiser.”
Às vezes o pessoal comenta a respeito do dinheiro, como se ele fosse muito apegado. Agora, na verdade, quando fomos ver as coisas dele, depois da morte – eu estava com as mesmas três pessoas que o acompanhavam quando ele foi ao bispo para entregar a paróquia – encontramos quase nada. Ele não possuía nada. Roupa muito pouca e em condições precárias. Na cozinha quase nada. Ele vivia, parece, de forma abaixo da pobreza. Como o senhor vê este aspecto da personalidade do Mons. Jesus?
Eu subscrevo tudo aquilo que você disse, também senti isso muitas vezes. A casa era pobre, tanto assim que quando chegava em visita pastoral, ele ia dormir num quartinho que tinha mais pra frente, abaixo da cozinha, no quintal e me cedia o quarto dele. Lá havia até uma banheira grande, de granito; não era uma banheira de luxo. Eu às vezes insistia com ele para não aceitar, mas ele fazia questão de me dar o seu quarto. Até que um dia eu disse: “Não, Monsenhor, eu não vou mais aceitar (ele já estava cego), que aqui o senhor conhece tudo, se levanta de noite, vai ao banheiro, sem maiores dificuldades. Lá em baixo não tem nada disso.” Ele respondeu: “É verdade. Na minha terra se diz assim: O cego na sua casa enxerga melhor do que estranho na casa alheia”. Eu até me pergunto se isso não pode servir de exemplo para nós outros, todos os cristãos principalmente nós do clero, porque o povo reclamava que ele era interessado em dinheiro. Ele tinha algum dinheiro: uma vez falei com ele a respeito disso. Papel do bispo é suportar, me parece, mas se a coisa toma aspecto sério, tem que falar. Eu falei com ele e acabou dizendo-me que a preocupação dele com estas economias não era com ele, que ele de qualquer forma passava, mas que tinha uns sobrinhos na Espanha, um deles inclusive estava no seminário e que ele queria ajudá-los a se educarem. Por isso é que, às vezes ele mandava alguma importância para eles, até de mão própria por alguém que fosse à Espanha. O fato é que ele não se utilizou de nada e até deixou ainda uma poupança que, depois da morte, ficou à disposição de uma sobrinha e afilhada que ele tinha constituído herdeira única. A gente tira a conclusão de que não adianta juntar. É aquilo que está na Bíblia: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”...: também é vaidade aquele que junta dinheiro porque não sabe pra quem vai deixar nem quem dele vai usar.
A gente sente que a marca do Mons. Jesus, em relação a Nossa Senhora da Penha, é muito forte. O senhor tem alguma informação que possa nos ajudar a entender esta ligação com N. S. da Penha?
Eu não sei, porque quando ele chegou, Nossa Senhora da Penha já era padroeira de Serra Talhada. Não sei se tinha alguma coisa relacionada à Espanha ou a outras paróquias por onde tivesse passado. Mas ele tinha realmente uma devoção profunda a N. S. da Penha, da paróquia dele. Ele só dava a saudação: Louvado seja Nosso senhor Jesus Cristo – e fazia questão de acrescentar – e sua Mãe Maria Santíssima. Era a única paróquia da diocese onde havia isso. E deixou também um exemplo: o lugar onde mais se reza nesta diocese de Afogados da Ingazeira, a mim me parece, é Serra Talhada, especialmente a Paróquia de Nossa Senhora da Penha. Os homens rezam sem acanhamento, sem respeito humano. Quantas vezes eu vi até pessoas entre as mais importantes da cidade,alguns já idosos, outros nem tanto, ajoelhar-se e rezar diante da imagem de Nossa Senhora. Deu-me sempre a impressão de uma convicção: acho que receberam este dom do Mons. Jesus, nos muitos anos de sua presença em Serra Talhada.
(entrevista concedida ao padre Egidio Bisol no dia 10 de setembro de 2004)
CRÔNICAS
1. Aversão ao Comunismo
Em outubro de 1945, sob pressão das Forças Armadas e dos intelectuais, o presidente Getúlio Vargas renunciou à chefia do governo federal, porquanto o Brasil vivia a inquietação dos primeiros tempos da derrota do Nazi-Fascismo que pretendeu sufocar a Europa. O Brasil, governado em regime de exceção, teria de reinstalar a democracia. Fundaram-se três agremiações partidárias: Partido Social Democrático (P.S.D) para defender a bandeira do conservadorismo, União Democrática Nacional (U.D.N) para incorporar a oposição sedenta de poder e o Partido Comunista Brasileiro (P.C.B) que professava a doutrina marxista. Nessa fase surgiram em Serra Talhada algumas lideranças isoladas para divulgar as idéias já apregoadas pelo “Cavaleiro da Esperança” o já famoso Luiz Carlos Prestes. O nosso padre Jesus, europeu da península ibérica, remanescente do movimento franquista, trazia nas veias o sangue quente daqueles que combatiam até o limite do destemor as idéias materialistas que renegavam o catolicismo. Num domingo qualquer daquele tempo o padre Jesus, esbravejava do púlpito, com ferocidade realmente, em sua homilia contra o comunismo e os comunistas. O presidente da celebração permaneceu tenso durante toda cerimônia da Eucaristia. Ao sair da sacristia pela porta lateral em direção à casa paroquial, eu observei um cidadão que julgara-se ofendido pelo sermão do vigário, saindo pela porta do lado oposto, dirigia-se apressado em direção do sacerdote. Agilizei os meus passos e chegamos juntos. Tive chance de ouvir as seguintes palavras: Padre Jesus, o senhor!... - Lá dentro falei como sacerdote, aqui falo como homem. Você o que vai querer? O interlocutor deu meia volta e retirou-se.
2. O ladrilho do piso da Matriz
Concluídas as obras de construção do majestoso templo, reclamavam-se a substituição do piso e a renovação da bancada de madeira. Promoveu-se uma campanha para angariar recursos destinados à aquisição do ladrilho de granito. Como o numerário parecesse insuficiente, o chefe político local comerciante e pecuarista Cornélio Soares, aconselhou investir o dinheiro na compra de garrotes e que ele próprio se encarregaria da aquisição e engorda dos animais. Todos concordamos inclusive Padre Jesus. O investimento foi rentável acima das previsões. Todavia o povo reclamava pela demora e o Padre Jesus já denunciava que Cornélio Soares fluidificara o dinheiro de Nossa Senhora da Penha. Afinal a comunidade religiosa recebeu em festa duas carretas que transportaram do Recife para esta cidade o tão esperado granito para o piso da igreja. De imediato foram iniciados os trabalhos de fixação do piso para conclusão antes da festa da Padroeira (festa de setembro). O Coronel Cornélio, avisou-me certo dia que o saldo do dinheiro da igreja mal daria para pagar a folha de serviço daquela semana. E, num gesto sem palavras pedia-me para informar ao Padre Jesus. De logo, declarei que haveria “guerra” e que o nosso velho cura não assimilaria a idéia de desembolsar mais dinheiro. Cornélio, cidadão solicito, entendeu o problema e concluiu com recursos próprios os serviços programados.
3. A bancada de madeira do Templo Monumental.
Certo dia em visita informal ao Padre Jesus, fui surpreendido com imensa pilha de madeira na murada da casa paroquial. À minha curiosidade informou que havia adquirido aquele material para usar na confecção das bancadas da nossa matriz. Naquela fase instalara-se nesta cidade para construção da estrada de ferro a empresa construtora Camilo Collier, que dispunha de imenso canteiro de obras, inclusive oficinas. O Dr. Luiz Collier, rico em benemerência, recebeu naquela hora a visita do Padre Jesus que me pediu para lhe acompanhar. Sem reservas, pediu àquele empresário a mão de obra para confecção dos bancos da matriz. Este, veio conosco olhar a madeira na casa paroquial. Com grande surpresa fomos informados pelo engenheiro Collier que a madeira era imprestável para confecção dos bancos. De imediato aquele engenheiro retirou o material imprestável e solicitou toros de ipê roxo do sul da Bahia. A demora no recebimento da madeira e na confecção parcial dos bancos deixou o nosso vigário em pânico. Para tranqüiliza-lo foram postos os bancos da parte central da Matriz. Por fim o Dr. Luiz, entregou os bancos dos corredores laterais; tudo sem ônus para a comunidade católica de Serra Talhada. Graças sejam dadas ao Dr. Luiz Collier de saudosa memória e à sua empresa.
4. O incêndio do Altar Mor
A missa das 9 horas, do domingo, sempre contou com a participação de muitos fiéis. Eu, adolescente sentara-me no banco da primeira fila. O padre Jesus recolhera-se à sacristia para paramentar-se. Do meio do povo uma voz bradou: incêndio no altar!... As flores de papel tocadas pelas chamas das velas consumiam-se no altar de madeira que abrigava a imagem de nossa padroeira. Num átimo o Padre Jesus assomara ao altar em chamas e alçou a imagem de Nossa Senhora da Penha. Todos corremos em sua direção, uns recebiam a imagem da padroeira, outros apagavam as chamas que já atingiam a batina do vigário. Superado o pânico, o sacerdote dá inicio à celebração do ato religioso. Na homilia, de punho cerrado batendo às bordas do púlpito de madeira, proclamou que o desrespeito do povo de Vila Bela era causa do que assistíramos. Vila Bela, nunca teria concluída as obras de nossa matriz, iniciadas em 1925. Genuflexo e de mãos em suplica dizia que se os homens e mulheres deste município não tomassem a iniciativa com ele o vigário, de reiniciar as obras do nosso santuário, ele jamais presidiria a festa da Penha. Esse gesto foi recebido como grito de guerra. Em 30 dias Vila Bela estava mobilizada para erigir o templo monumental que envaidece o sertão.
5. O Presbitério
As obras externas do santuário de Nossa Senhora da Penha, pareciam intermináveis. As campanhas em busca de donativos tornavam-se abusivas e o padre Jesus apontado pelo povo como a pessoa que nunca chegava ao limite da exploração. Certo dia, tendo em mão o projeto de construção do patamar do santuário, formou uma comissão composta por alguns amigos e fomos ao Recife pedir ajuda financeira ao industrial serratalhadense João Pereira do Santos. Fomos recebidos com sorriso franco no gabinete de seu Santos, como é conhecido aquele homem de negócios. O Padre Jesus, informou da razão da visita e logo apresentou o projeto que pretendia executar. O industrial fez pouco caso do plano, sugerindo que falássemos das carências do interior da nossa matriz. O vigário amargurado e perplexo, informou que no interior do Santuário deveria ser melhorado o Presbitério cujas obras custariam bastante dinheiro. E desde logo informou o valor que seria dez vezes acima do que esperava receber. Seu Santos pediu-nos licença e logo entrou numa sala vizinha. Ao voltar, trazia um cheque dobrado e perguntou ao sacerdote, quanto ele esperava de sua contribuição... O Padre Jesus respondeu: - Espero um valor digno de Nossa Senhora da Penha e à altura do seu nome. Uma surpresa! O numerário foi suficiente para comprar o material nobre e executar os serviços.
6. Morte e Sepultamento do Monsenhor Jesus Garcia Riaño
Numa tarde cálida do nosso sertão, eu transitava pela calçada do Hotel Municipal. Observei que a porta da sacristia da Matriz estava aberta e ajoelhado em frente ao altar da Penha estava solitário o Padre Jesus. Instintivamente desloquei-me para junto do meu velho Cura. Ali, sem molestá-lo, fiz minhas rogativas, permanecendo no presbitério até que o vigário concluísse suas orações. O padre com a visão altamente comprometida, abraçou-me e perguntou em que me poderia ser útil. Respondi que estava ali para informar ao meu amigo que concluíra no cemitério local o túmulo que me servirá para descanso depois da morte. E improvisando, sugeri que escolhêssemos o lugar para o seu sepultamento dentro da matriz. Depois de alguma resistência decidiu que desejava ser sepultado no altar de São Francisco, bem ao lado da parede. Determinou que eu subisse ao coro da Igreja para ver as pedras de mármore que serviriam para substituir as peças que fossem danificadas na abertura de sua cova. Alguns anos depois, precisamente à noite de 12 de outubro de 1991, circulava a noticia da morte do Padre Jesus, vitima de insuficiência cardíaca. O seu velório foi realizado na matriz da Penha. O Padre Egídio Bisol, seu sucessor, desde a renuncia, recomendou-me que permanecesse ao lado do féretro, enquanto mantinha entendimento com Dom Francisco, Bispo Diocesano, deslocado eventualmente para Natal – RN, onde participava da visita do papa João Paulo II, àquela cidade e aos bispos do Nordeste. O Cônego Jesus Garcia Riaño foi sepultado no dia 13 de outubro de 1991, no lugar por ele escolhido, sob consternação e pranto do seus paroquianos. A missa de corpo presente e encomendação foi presidida pelo Padre Egídio Bisol, concelebrando todos os padres da diocese e representantes de outros bispados.
Luiz Lorena
Cotidiano “folclórico” do Padre Jesus: lembranças de um “adolescente”
O espanhol Padre Jesus Garcia Riaño, dedicou-se inteiramente à religião católica que abraçara desde moço. Robusto, e de inteligência fecundante, porte corpulento: é de se destacar que antes de ser sacerdote, foi vaqueiro na Espanha e montava muito bem a cavalo, dominando o animal que lhe servisse de montaria, por mais brabo que o fosse, torcia e retorcia o animal, mostrando o caminho, na força de seus braços.
Contemos alguns episódios. Certa vez, eu o acompanhava em uma desobriga à fazenda Juazeiro, do meu primo Antonio Alves de Silveira Lima (Antonio Cazuza), a três léguas da cidade de Serra Talhada, próxima à fazenda Jatobazinho do meu tio e padrinho José Alves de Silveira Lima (Cazuza Alves). No percurso da viagem para celebração do casamento, ele me convidou para corremos adiante dos outros cavaleiros, afim de nos distanciarmos dos demais, facilitando assim o Vigário dar uma urinada “espanhola”. Ao descer do animal, a burra, que o conduzia, estranhou a grande batina preta do Padre e, se estremeceu querendo tomar as rédeas que, com o punho forte, o Vigário dominava, batendo com o chicote de couro cru entrelaçado com folhas de couro de gado e entre as folhas um pedaço de reio cru. Gritando alto ao bater na burra que humildemente se dera por vencida: “burro com burro” disse o Vigário, o peso do meu braço é maior do que a sua beleza (lapas de lapas). Repetidamente, o couro comia na cabeça da burra; terminando a batalha o animal se rendeu pela dor que sentia e o Vigário esqueceu a vontade de urinar. Montou-se, esporou-a na barriga a ponto de minar sangue!... Aí, ele, novamente, a virava de um lado para o outro. Então seguimos a galope e ao chegar na fazenda Juazeiro, ao apear-se, foi logo dizendo: “Cazuza”! a coalhada do Padre, e venha bastante porque eu fiz muito exercício ao dominar a burra braba que você me mandou! Foi propósito? Malvado... queria derrubar o Padre?
O Cônego era gigante no físico e maior no seu talento: era religioso, ardoroso e amante de Serra Talhada, a nossa antiga Vila-Bela. Deixou grandes saudades. É inesquecível pelos filhos deste torrão sagrado. Outro episodio do Padre Jesus: O mesmo foi à fazenda Jazigo dos meus tios Benício de Souza Ramos e Manoel Tomé de Souza e, lá na casa do tio Benicio apresentaram-lhe o cavalo vencedor, bom de gado, isto é, pegador de boi brabo, de propriedade do meu primo e verdadeiro amigo Manoel de Souza Ramos. O Padre falou alto: “Comigo não há cavalo que eu não domine. Ele me obedecerá”. Montou, e o cavalo disparou, enquanto o Vigario surrava o tempo todo em uma velocidade incrível, na caatinga rasteira (pereiros, marmeleiros, malvas, capa-bode e espinhos de xique-xique, rabo de raposas, palmatórias e expeientes etc, etc, etc.). Tomou a direção, logo na partida, de uma estrada estreita de pedras soltas e, nas curvas da estrada, o cavalo pulava todos os obstáculos, inclusive, as cercas em ruínas dos roçados, até a ponte da barragem do Rio Pajeú. Em toda velocidade, o Vigário o esporava, batia com o chicote com a mão direita e gritando ainda: “Você não pode comigo! Eu te dominarei”. E todas as pessoas ficaram preocupadas com esta violenta carreira. Cerca de uma hora e meia depois, lá no alto pedregoso, apareceu o Padre, chegando à casa, riscou no pátio o cavalão e disse “Esse é bom, mas eu sou melhor que ele”. Aplausos para o Vigário Vaqueiro e a festa começou!...
Uma feita, o cidadão Jose Olavo de Andrada, emprestou o seu cavalo famoso da fazenda Cachoeira, cavalo da montaria de vaqueiros. O Padre, ao saber do bonito “Pedrez” disse ao seu proprietário: “Quero montá-lo!” Assim, aconteceu. O Padre, da porta de sua residência açoitou o cavalo em direção à rua principal, hoje Praça Dr. Sergio Magalhães, entrando pela rua Monsenhor Affonso Pequeno. O Padre fez o cavalo, de um salto em velocidade, subir a calçada alta da casa de João Inácio de Medeiros; subjugando-o até o cavalo obedecê-lo completamente. Voltou pela mesma rua, apeando-se na casa de residência do Sr. José Olavo de Andrada. Disse “Eis o cavalo despertado e manso! Agora ele está açoitado, adestrado e, conseqüentemente, obediente ao braço do homem”.
Fomos outra vez, a Tauapiranga celebrar missa no cemitério daquele distrito, no caminho seu jipe baixou um pneu: não tinha macaco, levantou o carro com a força dos braços, dando-se condições à mudança do pneu. Ele disse: “Ponham o pneu na jante que eu levantarei o jipe, na força espanhola que Deus me deu. Firmou-se a um lado do veiculo e levantou-o, sem suporte. Uma vez, colocado o pneu, seguimos viagem. O Padre tinha força de gigante.
Mais um episodio: No carnaval, o Padre Jesus não saía à rua e nem abria a igreja e quem fosse brincar o carnaval ele não dava cinza e nem a comunhão. E, nesta época mandava tocar sinal o dia todo em protesto ao ato profano. Então o chefe político da época, Cel. Cornélio Soares, tendo sido procurado pela comunidade, se dirigiu até a casa paroquial e apresentou os pêsames ao vigário pela morte de sua mãe, e o vigário, que de logo se espantou, respondeu: “Que é isso Cornélio? Está ficando louco?”. Então Cornélio justificou-se: “O sino não está tocando sinal? Só se toca sinal quando alguém morre!”.
O nosso inesquecível Vigário não gostava de bailes periféricos da cidade, bailes de ponta de rua, dizia ele. Um dia foi avisado que estavam dançando numa casa próxima ao açude da Borborema. Então ele se dirigiu para lá, “apagou o candeeiro e derramou o gás” e o pau comeu forte, grosso e sem piedade. Teve rapaz da sociedade serratalhadense e de boa família, que pulou pela janela da casa em festa, tomando os “Pereiros” que circulavam no açude, em direção à cidade. Chegando em casa dos pais, afrontado disse: “O Padre virou uma fera. Ou viramos “santos” ou morremos no cacete do Padre!”.
Padre Jesus era cavaleiro em suas desobrigas. Tinha um bom apetite e mostrava sorriso quando se sentia vitorioso em suas aventuras.
Os anos passaram... nossa amizade foi crescendo: ele abençoou o meu casamento e batizou os meus filhos.
O Padre Jesus amou a vida e os filhos de Deus, mostrando-lhes o caminho da salvação. Que Deus lhe dê o Céu e, na mansão celestial descanse em paz: no silêncio da eternidade seja “santo” de força e fé, assim como foi, nesta terra, valoroso cristão.
Nonato de Magalhães
REFLEXÕES
(escritas pelo Pe. Jesus no Livro de Tombo da Paróquia)
Natal 1952 e Ano Novo 1953
Teve numerosíssima assistência, como já é costume, a Santa Missa de Natal celebrada à meia-noite. Outrossim, no exercício sempre comovedor e tocante da despedida do ano que se finda e entrada do ano novo, foi extraordinária a multidão que acudiu particularmente dos sítios e fazendas. Depois de meia Hora Santa com pregação, em meio a um silencio profundo, foram ouvidas as doze badaladas do relógio da torre, seguindo-se o alegre repicar dos sinos, queimando-se fogos e bombas. As primeiras palavras pronunciadas no limiar do novo ano foi a jaculatória: Oh Sagrado Coração de Jesus eu tenho confiança em vós, dando inicio desta forma ao ano jubilar do Apostolado da Oração, lembrando ao povo cristão que este ano de 1953 deve ser o ano do Coração Divino de Jesus, anunciando desde já as solenidades que, em tempo oportuno serão realizadas, comemorando as bodas de ouro – 50 anos – da fundação do Apostolado da Oração na Matriz pelo inesquecível Mons. Affonso Antero Pequeno. Terminou a cerimônia com a benção do Santíssimo.
Visita Pastoral e Santas Missões 1953
Previamente anunciadas tiveram lugar a Visita Pastoral do Exmo. e Revmo. Dom Adelmo Cavalcanti Machado, DD. Bispo Diocesano e Santas Missões pregadas pelos missionários capuchinhos Frei Damião e Frei Fernando em duas capelas – Caiçarinha e Sítios Novos – e aqui na Matriz. Na tarde de sábado 11 de julho chegaram à primeira capela, saindo na segunda-feira, dia 13. Houve 850 crismas e 835 comunhões. O povo correspondeu com muita largueza de espírito. Parece que o Sr. Bispo levou boa impressão. É a capela que mais consolação espiritual dá ao coração do vigário: é um povo de puros costumes. Na segunda-feira 27 de julho chegaram à capela de Nossa Senhora das Dores em Sítios Novos os missionários Frei Damião e Frei Fernando, fazendo-o no seguinte dia 28 o Exmo. Sr. Bispo Diocesano, pois na véspera encontrava-se em Vila Bela tomando parte na reunião dos bispos da Província Eclesiástica de Pernambuco presidida pelo Sr. Arcebispo. Em Sítios Novos houve o seguinte movimento: crismas 1300, comunhões 1900. o encerramento foi no dia 30, quinta-feira.
Bodas de Ouro do apostolado da Oração
Conforme documento que ainda existe junto ao altar do Sagrado Coração de Jesus, era fundado o Apostolado da Oração nesta Matriz de Nossa Senhora da Penha, a 08 de setembro de 1903, por Mons. Affonso Antero Pequeno, DD. Vigário na época e sacerdote de saudosa memória, zeloso, culto, orador eloqüente. Para comemorar tão faustoso acontecimento que não podia passar despercebido na vida da paróquia, de acordo com o Exmo. Sr. Bispo Diocesano, foi organizado um programa das festas jubilares. Compreendendo também Santas Missões em algumas capelas para preparar o espírito do povo. As santas Missões foram pregadas por Frei Damião e Frei Fernando capuchinhos, estendendo-as também à Paróquia de Belmonte, da qual, na ocasião, estava encarregado.
Programa das solenidades do Jubileu Áureo do Apostolado da Oração: Oh Sagrado Coração de Jesus eu tenho confiança em Vós!
Dia 30 de julho, quinta-feira Às 16:00 horas. Recepção de Sua Ex.cia Revma. Dom Adelmo Machado e ilustre comitiva, sendo saudado em frente ao Hospital Regional, em cuja capela Sua Ex.cia se revestirá dos paramentos pontificais, efetuando-se em seguida a sua solene entrada, sob pálio, na Igreja Matriz. Às 19:00 horas. Inicio das solenidades com o Terço, pregação e Benção do SS. Sacramento. Encerramento pelo Ex.mo Sr. Bispo Diocesano.
Dia 31 de julho: sexta-feira – Dia das Mães Às 5:00 horas. Missa celebrada por Frei Damião com pregação. Às 7:00 horas. Santa Missa do Ex.mo Sr. Bispo Diocesano em sufrágio da alma de Mons. Affonso Antero Pequeno, fundador do Apostolado nesta Matriz, e de todos os zeladores e associados falecidos. Comunhão geral das senhoras. Às 9:00 horas. Sessão extraordinária da Obra das Vocações Sacerdotais. Local: Salão da Casa Paroquial. Às 10:00 horas. Administração do Sacramento da Crisma na Matriz. Às 11:30 horas. Visita das Ex.mas Autoridades locais ao Sr. Bispo Diocesano, na Casa Paroquial. Às 14:00 horas. Catecismo para as crianças. Às 15:00 horas. Crisma na Matriz. Às 17:00 horas. Sessão Extraordinária da Sociedade de São Vicente de Paulo, na Matriz, em homenagem ao emérito fundador Frederico Ozanan cujo centenário é comemorado no corrente ano. Após a reunião será inaugurada, pelo Ex.mo Sr. Bispo Diocesano a “Casa dos Pobres” Ana Ribeiro. Às 19:00 horas. Santo Terço com pregação por Frei Damião. Benção do SS. Sacramento. Canto do hino do Jubileu. Encerramento pelo Ex.mo Sr Bispo diocesano que benzerá as novas alfaias ofertadas pelas famílias católicas.
Dia 01 de agosto – sábado – dia das crianças. Às 5:00 horas. Santa Missa com pregação por Frei Damião. Às 7:00 horas. Missa celebrada por Dom Adelmo Machado, tendo logar a Primeira Comunhão dos meninos e comunhão geral das crianças. Após a Santa Missa, na Escola de São Vicente, será servido café a todas as crianças acompanhadas do Ex.mo Sr. Bispo. Às 9:00 horas. Homenagem das escolas a sua Ex.cia Revma. Às 9:30 horas. Na capela do Hospital Regional, reunião das “Luizinhas” presidida por Dom Adelmo Machado. Às 10:00 horas. Crisma. Às 11:30 horas. Sessão da Associação dos Anjos Eucarísticos, com imposição dos distintivos aos novos associados, por sua Ex.cia. Às 14:00 horas. Concentração das crianças no oitão da Matriz, e, a seguir, grande passeata pelas ruas da cidade, entoando hinos e cânticos. Às 14:30 horas. Homenagem da venerável Ordem Terceira de São Francisco, Pia União das Filhas de Maria e Associação de São José ao Sr. Bispo Diocesano, no Salão da Casa Paroquial. Às 15:00 horas. Administração do sacramento da Crisma. Às 16:30 horas. Renovação das promessas do Santo Batismo e consagração das crianças da Primeira Comunhão. Às 17:30 horas. Sessão do departamento de Ensino religioso e Diretoria da Congregação da Doutrina Cristã, no Salão da Casa Paroquial. Às 19:00 horas. Sessão Magna no patamar da Matriz, sob a presidência do Ex.mo Sr Bispo Diocesano. Programa: 1. Canto do Credo – 2. Abertura da sessão – 3. Saudação pelo Vigário – 4. Canto “Luar do Sertão” pelo Orfeão – 5. Histórico do Apostolado neste Cinqüentenário por D. Stela Godoy – 6. Recitativo por D. Francisca Godoy e Zuleide Vieira – 7. Conferencia pelo prof. Aderbal Mendonça – 8. Canto “Herança de Nossa Raça” pelo Orfeão – 9 Encerramento, pelo frei João Batista – 10 Hino do Jubileu. O Sacrum Convivium. Benção do SS.mo Sacramento. À meia noite. Concentração dos homens na Praça do Rosário, levando à mão lanternas multicores com dísticos comemorativos, rumo à Matriz. Santa Missa e comunhão geral dos homens, com pregação por Frei Elizeu, carmelita. Dia 02 de agosto – Domingo Desde as 4:00 horas, missa com cânticos e comunhão na Matriz. Às 5:00 horas. Alvorada pela Banda de Musica. Salva de 21 tiros e repique dos sinos. Às 7:00 horas. Solene Pontifical no altar monumento, sendo cantada pelos fiéis a missa “De Angelis”. Pregador: Frei João Batista Vilar, diretor diocesano do Apostolado da Oração. Às 10:30 horas. Administração do Sacramento da Crisma. Às 12:00 horas. Banquete no Grande Hotel, oferecido pelo Apostolado da Oração ao Ex.mo Sr. Bispo Diocesano, comitiva e demais autoridade. Orador: Dr. Cordeiro Lima. Às 14:30 horas. Sessão extraordinária do Apostolado da Oração presidida por Dom Adelmo Machado. Saudação a sua Ex.cia em nome do Apostolado pelo secretario Augusto J. Duarte. Às 16:00 horas. Procissão de encerramento. O povo com bandeirinhas comemorativas, acompanhará em filas, a imagem do Sagrado Coração de Jesus, em seu carro triunfal, pelas ruas da cidade. Alocução do Sr. Bispo Diocesano. Consagração de Vila Bela ao Sagrado Coração de Jesus pelo Sr. Prefeito Moacyr Godoy. Solene “Te Deum”. O Sacrum Convivium. Benção do SS.mo Sacramento. Hino do Jubileu. Às 20:00 horas. No Cine Arte, projeção de um filme sacro “Os sinos de Santa Maria” oferta do Apostolado ao povo. Oh Sagrado Coração de Jesus, eu tenho confiança em Vós!
Entre outras graças destas festas jubilares com que o Divino Coração de Jesus se dignou recompensar a boa vontade, o entusiasmo e a piedade com que o povo comemorou o cinqüentenário do Apostolado, devemos registrar a Escola Normal Rural Imaculada Conceição; instrumento de que se serviu o Sagrado Coração foi o Exmo. Sr. Dom Adelmo Machado. Louvor, honra e gloria por sempre, ao Divino Coração de Jesus. Ao Ex.mo Bispo Diocesano o coração reconhecido de Vila Bela. Além dos já nomeados, assistiram a estas festas nas quais com seus trabalhos muito contribuíram, os Reverendíssimos Pe. Luiz Sampaio, pároco de Triunfo, Cônego Antonio G. Andrada, pároco de Custodia e filho desta paróquia, Pe. Heraldo, Vice-diretor do Ginásio “Cristo Rei” de Pesqueira, o qual serviu de Mestre de Cerimônia na missa pontifical, Pe. Luiz Kehrle, capelão do Hospital Regional, clérigo José Maria de Vasconcelos da Diocese de Garanhuns que muito trabalhou pelo esplendor das festas organizando o Orfeão. Para todos o nosso cordial reconhecimento e... que o Sagrado Coração de Jesus lhes pague generosamente. Queremos deixar registrado o nosso sincero agradecimento a todos que cooperaram para o brilho e esplendor destas solenidades. Não desejaríamos trazer nomes – é justiça porém fazer honrosíssima exceção em favor das senhoras: Presidente do apostolado: D. Maria do Socorro Andrada, incansável, Secretaria: D. Maria Ferreira Barbosa e Tesoureira: Nuca Romão. O programa teve fidelíssima execução. Devemos todavia salientar três atos: a Sessão Magna, soleníssima; o Pontifical, pomposo; e a Procissão empolgante, com a imagem do Sagrado Coração de Jesus em carro triunfal, artisticamente enfeitado, com 4 pagens etc. No correr das festas nada aconteceu que viesse diminuir o seu brilho: o entusiasmo foi geral. Que o Divino Coração a todos recompense. Houve o seguinte movimento: 135 Primeiras Comunhões. Crisma: 2163. Comunhão de homens à meia-noite: 715. Comunhões em geral: 5500. Oh Sagrado Coração de Jesus, eu tenho confiança em Vós!
Semana Santa 1954
Apesar de estar operado de amígdalas, fiz as diversas cerimônias da Semana Santa, realizando no domingo da Paixão uma procissão de penitencia, na quarta-feira teve lugar o exercício da Via Sacra, realizado também por todo o correr da Quaresma, nas quartas, sextas e domingos, tanto na Matriz como em quase todas as capelas.
Mês de Maio 1954
Revestiu-se de grande esplendor o exercício do mês consagrado à nossa boa Mãe do Céo: constitui um movimento intenso de fiéis, superlotando o templo durante 32 noites, as famílias, numa santa rivalidade, patrocinando com louvável entusiasmo. A coroação da imagem de Nossa Senhora, no ultimo dia, foi de profunda emoção, verdadeiramente comovedora a cerimônia. Que a Virgem Santíssima recompense com sua maternal generosidade o gosto e boa vontade com que todos os noiteiros se desincumbiram. Na ocasião da pratica aproveitei para estimular as famílias em receber a visita da imagem de Nossa Senhora de Fátima por todo o correr do ano mariano no compromisso de rezar, a família unida, o santo Terço. Devido ao número de famílias que já solicitaram a visita de Nossa Senhora julgamos aconselhável visitar duas ou três famílias por semana a fim de poder satisfazer a boa vontade dos fiéis. Tudo a Maria para Jesus.
Festa da Padroeira 1954
Após soleníssimo novenário, no qual é de justiça salientar a noite da “Collier” foi celebrada a festa em honra de nossa gloriosa Padroeira, a Virgem da Penha. Consegui, não sem grande sacrifício e incompreensão por parte de quem deveria dar o exemplo no desempenho do seu dever, mas felizmente consegui que fosse evitado o jogo publico, lamentando não fosse proibido o jogo, - terrível praga social in totum e é também em casas – em que, por confissão de gente fidedigna, se perderam relativas fortunas. É pena que o escândalo venha de cima, de quem temos direito a exigir o cumprimento da lei. Todavia o movimento religioso foi confortador, sendo elevado o numero de comunhões. Missa solene cantada, com três padres: Cônego Antonio Andrada, Pe. Luiz Kehrle. Merece honrosa menção a Procissão, verdadeiramente esplendorosa e deslumbrante. Tomaram parte os colégios “Cônego Torres” e “Imaculada Conceição”, Escolas, fechando o itinerário a bela imagem da Padroeira em carro triunfal artisticamente preparado pelo Sr. Lourinho e Senhora; ao chegar ao patamar arrancou vivas e aplausos, comovendo os corações que, aos milhares, batiam emocionados numa verdadeira apoteose à excelsa padroeira. Foi um espetáculo sublime que deixou no espírito de todos imorredouras saudades. Que a Virgem Santa da Penha continue, e por sempre, amparando Vila Bela.
Festa da Padroeira 1957
Por falta de garantias de ordem e respeito na Igreja fui forçado, com imensa dor do meu coração sacerdotal, a suspender a celebração do novenário solene preparatório à festa da excelsa Padroeira. Todavia, oportuna e pastoral intervenção do Ex.mo Sr. Bispo Diocesano, fez com que as autoridades competentes se responsabilizassem – o prometendo ao menos – garantindo que seria evitada a anarquia, durante o exercício litúrgico. Foi realizado o resto do novenário e celebrada solenemente a festa com missa cantada e procissão. Por respeito ao Livro, deixo de exprimir a decepção, o desanimo, o traumatismo de um pobre vigário que, há mais de 20 anos, vem pedindo respeito na casa de Deus, principal fonte de contrariedades. Um Vigário não poder pedir silencio e respeito na Sua Igreja (o que constitui um dever sagrado) sendo não pequena – coram Deo – sua responsabilidade neste ponto. Mas devo ser justo: não me queixo do povo que, se não é melhor, não desmerece do das outras paróquias; meu sentimento muito profundo é contra as autoridades – que deve existir – responsáveis. Que Deus – infinitamente misericordioso – perdoe nossas fraquezas. Que a Virgem Santíssima interponha seu valimento diante de Deus, em favor de seus filhos.
Ausência do Vigário (fevereiro 1959)
A conselho do Sr. Bispo, a fim de repousar e tratar da saúde, estive ausente da Paróquia durante os meses de fevereiro e março. Frei Batista, carmelita, esteve à frente da Paróquia até meados de março, vindo logo depois o jesuíta Pe. João Rocha. Deus lhes pague.
Mês de maio 1959
Inclinado à indulgência, esquecendo velhas contrariedades, resolvi fazer o Mês Mariano com toda solenidade, como em anos passados, esclarecendo o povo a este respeito, nos últimos domingos de abril. As famílias convidadas para as respectivas noites, rivalizavam em gosto e boa vontade; a Matriz apresentava belo espetáculo quase tomada materialmente por numero de fiéis; todas as noites dirigia a palavra ao povo devoto de Maria; era confortador. Na penúltima noite, uma tristíssima e vergonhosa anarquia (nem o momento da Benção com o SS.mo foi respeitado, não obstante insistente pedido) tirou o brilho dum mês tão belo. Não houve encerramento. Deixei de celebrar a missa na Matriz nos domingos de junho e julho.
Semana Santa 1960
Depois de dois meses ausente, em tratamento de saúde, voltei nas vésperas da Semana Santa, em cujos dias contei com a colaboração de Frei Cirilo, carmelita, tendo havido um número elevado de comunhões e grande assistência dos fiéis aos atos litúrgicos.
Mês Mariano 1960
Decorreu o mês mariano com regular assistência; o encerramento no derradeiro dia, e cerimônia da coroação de Nossa Senhora teve logar no patamar, com imensa multidão e edificante silêncio.
Santas Missões 1962
Do dia 4 ao dia 11 de julho recebemos a graça extraordinária das Santas Missões, na sede (de 4 a 9) e na capela de Sítios Novos (de 9 a 11). Foram pregadores os Rev.dos Padres Capuchinhos Frei Damião e Frei Eduardo. Na Matriz foram distribuídas 6500 comunhões, na Capela de Sítios Novos 1850 comunhões. Só Nosso Senhor pode julgar se o movimento que se observou durante estes dias obedeceu a um sentimento sincero de piedade verdadeira, ou talvez exaltação do fanatismo. Temerário julgar se o bem terá superado o mal na consciência supersticiosa do nosso povo. Contudo, confiado na bondade do Pai das misericórdias, alimentamos a esperança de que muitas almas se aproveitaram destes dias de bênçãos e graças abundantes.
Natal 1965
No intuito de dar à festa de Natal um sentido mais familiar, formando o espírito dos fiéis e criando um ambiente mais religioso, organizamos um programa que foi executado no patamar da Matriz, das 8 às 12 da noite. A seguir celebramos a Santa Missa campal diante de uma numerosíssima assistência, que se conservou num silêncio edificante. A missa foi cantada em português.
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